A personalidade refere-se de forma geral às características responsáveis pelos padrões relativamente consistentes de pensamentos, sentimentos e comportamentos de um indivíduo. O Modelo dos Cinco Grandes Fatores, descrito por Costa e McCrae (2000), identifica cinco dimensões da personalidade: o Neuroticismo, a Extroversão, a Abertura à experiência, a Amabilidade e a Conscienciosidade.

O Neuroticismo relaciona-se com a tendência para experienciar estados emocionais negativos e com a instabilidade emocional do indivíduo. Valores elevados estão relacionados com sofrimento emocional e estados de ansiedade, depressão, pânico e irritabilidade, enquanto valores baixos caracterizam estados menos ansiosos e indivíduos menos reativos e com maior estabilidade emocional. A Extroversão relaciona-se com a sociabilidade e com a forma de interagir com os outros. Valores elevados estão associados a pessoas afetuosas, sociáveis, amistosas e com maior tendência a experienciar emoções positivas, enquanto valores baixos estão relacionados com uma maior tendência ao isolamento e a menor conforto em situações de socialização. A Abertura à experiência relaciona-se com a tendência para experimentar coisas novas e a ter interesses diversos. Indivíduos com pontuações altas são mais criativos, valorizam os sentimentos e a beleza, são curiosos e têm maior tendência a questionar e reavaliar valores e normas sociais, enquanto indivíduos com pontuações baixas tendem a ser mais tradicionais e convencionais. A Amabilidade refere-se à qualidade das relações interpessoais. Valores elevados refletem indivíduos empáticos, amistosos e otimistas, e valores baixos refletem uma maior agressividade, hostilidade e uma tendência a ser maios crítico em relação aos outros. A Conscienciosidade prende-se com o autocontrolo, organização e perseverança. Indivíduos com valores elevados são organizados, trabalhadores, confiáveis, diligentes e cautelosos. Indivíduos com valores baixos têm tendência a ser mais impulsivos e desorganizados.

As diferenças individuais na personalidade estão associadas a diferenças na função cerebral. Como as bactérias do intestino conseguem comunicar com o cérebro através do eixo intestino-cérebro, põe-se a hipótese de o microbioma poder estar relacionado com diferenças de personalidade.

Neste contexto, um estudo publicado em março de 2018 na revista “Brain, Behavior, and Immunity” deu os primeiros passos na análise desta questão. Os investigadores recrutaram um grupo de 672 adultos Sul-Coreanos (com idades compreendidas entre 23 e 69 anos). Foi feita a colheita de amostras fecais aos participantes para a caracterização do microbioma intestinal através de técnicas de amplificação e sequenciação bacteriana. A personalidade dos participantes foi avaliada de acordo com O Modelo dos Cinco Grandes Fatores através do preenchimento de um questionário (Revised NEO Personality Inventory – NEO PI-R).

Os autores verificaram que o microbioma intestinal de indivíduos com elevada Abertura à experiência era mais rico e diverso do que o dos indivíduos com baixa pontuação. Alta Amabilidade, por sua vez, apresentou correspondência a uma diversidade alfa (diversidade média de espécies num habitat específico) mais elevada.

Mas as relações mais significativas reportadas prendem-se com os fatores Neuroticismo e Conscienciosidade. O Neuroticismo elevado relacionou-se com uma maior abundância de bactérias da classe Gammaproteobacteria e da ordem Pasteurellales. O filo Proteobacteria apresentou maior abundância na baixa Conscienciosidade, encontrando-se significativamente diminuído em indivíduos com valores elevados deste fator.

Os autores notaram ainda que a tendência para vivenciar sentimentos negativos, como acontece em indivíduos de alto Neuroticismo e baixa Conscienciosidade, contribui para um estado inflamatório crónico, e a inflamação contribui, por sua vez, para o aumento da translocação de bactérias intestinais para a corrente sanguínea e para outros órgãos, o que pode levar a episódios infeciosos. Em contrapartida, indivíduos com alta Conscienciosidade apresentaram uma abundância significativamente superior de Lachnospiraceae, sendo estas bactérias produtoras de butirato, um agente com ação anti-inflamatória.

Os autores sugerem, assim, que diferentes traços de personalidade poderão estar relacionados com diferenças no microbioma intestinal.

Para ler o estudo na íntegra, siga o link.

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8 Thoughts on “Poderá a personalidade estar relacionada com o microbioma?”

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